quarta-feira, 25 de junho de 2008

O palco

Postado por Thiago Ghougassian

Passam rostos. Passam bocas, narizes, testas, cabelos. Cabelos longos, loiros, curtos, morenos. Lisos e ondulados. Passam olhos. Esperanças azuis, verdes e castanhas. Passam histórias, experiências, desejos, pensamentos. Passam as palavras, os cheiros, os gingados e os sorrisos. Os dentes brancos. Ou os não-dentes. Passam homens, mulheres. Passam segredos. Passam zumbidos, músicas. Passam diante de mim todos os sentimentos do mundo. Passos curtos e fortes ou longos e suaves.

Passam anseios, medos. O vento que bate no rosto, leva o cabelo e faz voar as ídeias e pensamentos. Faz tudo se misturar num ar que as luzes iluminam. O palco é cinza, de asfalto ou pedregulho. O palco em ladeira ou simplesmente reto. Faz com que todos se misturem ou não. Faz com que as experiências sejam compartilhadas.

Todos os estilos, calças, blusas, cachecóis, bonés, bolsas e mochilas. Todos os tons de pele, formatos de boca e formato de vida. Naquele mar de gente - quem são? - todos os desejos se juntam num objetivo: andar. Sem rumo, para casa, para visitar. Só andam.

Aquela moça com a bolsa vermelha. Aquele rapaz loiro com tênis branco. Aquela senhora com a bengala e aquele menino com a mãe. O adolescente de mãos dadas, a mulher com o casaco preto e pasta de couro. A mãe com seus três filhos. O homem de óculos olhando para frente e a moça olhando para o lado. São olhares, passos. São todos os sentimentos ao seu lado.

Quem são? Quem você é? O que eu sou? Mais um no mar de gente? Ou um diferencial que repara nisso? O vento que leva os cabelos, carrega essas palavras numa temperatura fria que encobre as pessoas. E nesse palco cinza me descubro um ser único. Ninguém tem meu rosto, meus pensamentos, meus olhos, meu corpo. Nenhum fecha os olhos para sentir o perfume daquele que passa. Ninguém pensa em como isso tudo é brilhante, e se pensar, não é da mesma forma. Nesse palco ainda tento descobrir o segredo de tudo, o que a vida realmente é. Se tudo se mistura, tenho fragmentos deles em mim. Tenho milhões de pensamentos na minha pele que a chuva começa a tocar.

No palco o espetáculo acontece. O cenário muda, mas é sempre o mesmo. Ninguém é capaz de representar, atuar de novo tudo isso. É um momento único de auto-conhecimento. Um estudo rápido de dez minutos sobre todas as coisas do mundo, sobre o que você fez, o que fará. Um momento de oração, de raiva ou alegria. Neutralidade talvez que logo muda. E cerca de doze minutos depois tudo acaba. Você chega onde quer e pensa em outras coisas. Mas só eu, ser único, sento para escrever sobre o que todos vêem, não sentem de fato, mas sabem que está lá.