sexta-feira, 13 de junho de 2008

Harmônico

Postado por Thiago Ghougassian

Era uma moça quieta. Talvez tivesse algum tipo de problema, mas não ligava. Somente vivia.
Chegava na escola e todos começavam a rir. Não sabia se era seu cabelo não-escovado, ou seu suéter azul. Poderia ser a saia que acabava onde começava o tênis branco. Poderia ser até sua pele ou seus óculos de grau. Não ligava. Continuava andando. Nada fazia com que ela saisse de seu caminho. Uma rota. Entrava na escola, seguia pelo saguão, subia dois lances de escada e ia até a última sala do corredor. Sentava na frente da mesa do professor, na parede, em baixo das janelas e só saia de lá quando o sinal da saída tocava.
Foi quando ele apareceu. Era baixo, magro e seu nariz escorria. Levava no bolso da blusa vermelha uma bombinha de oxigênio. Chegou na sala da moça usando a bombinha já que um grupo de populares resolveram roubar o dinheiro de sua merenda. Ela o olhou. Ele a olhou. Não precisava da bombinha mais, bastava respirar o mesmo ar dela.
Mergulhou seu corpo na cadeira e pôs sua cabeça por entre os ombros. Lá se sentia seguro. Ela só desviava o olhar dele para espirrar. Uma música começa a tocar. Somente poderia ser ouvida por eles. Era um piano seguido de um violão com uma bateria melódica.
- Apontador?
- O que?
- Apontador... Quer apontador?
- Ah sim, certo, obrigado.
Estava tão assustado pela pergunta da moça que esqueceu de piscar. Seus olhos ardiam. Só pode piscar quando foi jogar a sujeira do apontador no lixo. Era inseguro o bastante para se levantar, andar três passos e voltar.
- Obrigado
- Vi que estava usando lapiseira, por isso ofereci o apontador.
Sem entender, o rapaz assentiu com a cabeça para somente depois pensar.
- Me emprestou sabendo que usava lapiseira?
- É que se oferecesse grafite, você usaria por mais tempo. O apontador você pode me pedir a qualquer hora pois a ponta do lápis pode quebrar.
Na música entrou um baixo tão baixo e harmônico que fez com que o rapaz limpasse o nariz na manga da blusa vermelha.
- Papel?
- Sim.
Ele prontamente pegou o lenço da mão da garota. Não usou. Devolveu logo em seguida.
- Mas você não usou.
- Se eu usasse, ele estaria sujo e iria jogar fora. Já que ele está limpo eu posso te pedir a qualquer hora.
E então uma corneta acompanhou a bateria. A essa hora não dava para saber que instrumento se sobressaia. Não era o piano, nem o violão e muito menos a bateria. Não era o baixo e nem a corneta. Era um instrumento mais forte que qualquer um na sala poderia ouvir. Seus corações batiam tão fortemente, tão desenfreadamente que a bateria precisou parar.
E os instrumentos pararam de tocar. Exceto os corações.