Como grande parte da população paulistana, eu utilizo e muito transportes públicos (entende-se ônibus e metrô, nessa ordem). Com minha mochila e fone de ouvido, me aventuro em pé (endende-se sempre) de um lado para o outro. Mas tiro proveito dessa minha... situação: gosto de observar o comportamento das pessoas no trânsito, desde pedestres e motoristas de carros até passageiros e outras pessoas no ônibus.
Por exemplo, hoje eu vi um menino de pouca idade, talvez uns 18 ou 19 anos, com o fone de ouvido (aquele headfone de DJ, grandão mesmo), o som muito alto e cabeça de um lado para outro. Poderia adivinhar o que ele ouvia: rock. Ele batucava com os dedos nos ferros como se fossem baquetas de bateria. Com os olhos fechados, vez ou outra ele pegava uma palheta imaginária e mandava ver na guitarra. Soltava algumas palavras como "youuuu" ou "I knoooow iiiiit!" que despertava a curiosidade dos que estavam a sua volta. Quando deu o sinal, magicamente os instrumentos desapareceram, ele arrumou o cabelo, pegou o celular, viu que horas eram e desceu. Deu vontade de aplaudir o show daquele garoto. E olha que nem cobrou couver!
Outro dia vi na rua uma mulher (não arrisco a idade) e seu namorado andando de mãos dadas. De repente, com gestos nervosos, ela largou a mão do rapaz. Com os movimentos da boca parecia uma briga. É, eu sei que em briga de marido e mulher não se mete a colher, mas era tão tentador que continuei lá, com os olhos neles e ouvidos na minha música. Ele tentou pegar a mão dela com um sorriso desajeitado mas ela era forte! Resistiu e, com passos pesados, continuou a marchar. Ele não sabia o que fazer, então, deixou a mulher reclamar e andou atrás. Fiquei triste porque o ônibus começou a andar mas fiquei boa parte do caminho imaginando o que causou a briga e o que aconteceria depois. Dando uma de Lucas Silva e Silva (Mundo da Lua) e Bob (O Fantástico Mundo de Bob), montei a cena: ele olhou para as pernas (sendo bem cavalheiro, claro) de outra mulher, a namorada percebeu, disse que ele não repara nem no cabelo dela, ele ficou sem graça porque era verdade, ela reclamou daquela quarta-feira que ele saiu com os amigos para ver o jogo e acabou soltando meia dúzia de momentos em que ele faltou com ela. Depois de muito monólogo por parte dela, ele a abraçou disse que amava no pé do ouvido, ela foi cedendo e a noite fariam sexo. Previsível, mas provavelmente essa era a história.
Não é sempre de momentos legais que meus olhos desfrutam.
Certo dia estava voltando da casa de uma amiga quando vi um casal de mãos dadas (calma, não vou repetir a história de cima). Porém, o semblante deles carregava algum tipo de fardo. Era um casal normal. Percebia-se que eram de classe média. Ele estava com a camisa aberta e o que parecia uma samba-canção nas pernas que terminam com os pés calçados de sapato social. Ela estava com a blusa dele (percebi pelo tamanho) e chorava. Eram 22h e tantas... Imaginei que, perto dali, eles haviam sido assaltados. Queria ajudar, fazer alguma coisa, mas tinha acabado de entrar no ônibus. Minha cabeça ficou naquela cena por dias e pensei: quantas coisas ruins acontecem perto da gente e nem percebemos?
As vezes vou de carona com uma amiga para a faculdade. Ás 7h da manhã vi uma mulher com trajes executivos que estava dirigindo um carro escuro. Não tinha insufilme, então pude perceber bem a cara dela. Ela chorava e secava seu rosto com um lenço branco. Quando parou no farol, mergulhou a cabeça no volante, impossibilitando minha análise do rosto mas seu corpo acompanhava os soluços. O sinal ficou verde mas seu rosto ficava mais vermelho. Ela seguiu para um dia que ia demorar para passar. Ia ser difícil a concentração e certamente usaria muita maquiagem para disfarçar as olheiras. Os olhos vermelhos e o sofrimento iam demorar um pouco para passar, mas sei que passariam.
Hoje vi um homem jovem na rua, passando para pegar o jornal que entregam no trânsito. Ele usava uma camiseta branca, tinha cabelo enrolado, era moreno e a calça jeans completava o traje. A moça vestida com o uniforme verde limão deu um sorriso e entregou o jornal para o rapaz. Não contente, ele puxou assunto. A cabeça pouco fértil daquele que vos escreve pensou que fosse um flerte, daqueles gostosos de se receber. Poderiam ser primos ou amigos também. Possibilidades mil passaram pela minha cabeça. Terminaram a conversa em poucos minutos e ele foi embora. Ela continuou a entregar o jornal com o mesmo sorriso de antes. (odeio quando não descubro o que acontece!).
É engraçado. Enquanto animais são colocados em jaulas nos zoológicos para que possamos obervá-los viver, nas ruas não existem jaulas. Dá vontade, ás vezes, de jogar pipoca para ver se alguém pega do chão com a boca e ouvir grunir feito um bicho qualquer. Não preciso de binóculo nem manual para entender (ou pelo menos tentar) os humanos. Basta um fone de ouvido ligado e olhos aguçados para vislumbrar os moldes e genéticas parecidos com os nossos.